domingo, 23 de agosto de 2009

Conhece aquele menino de rua no farol?

A saga de um pequeno marginal que ousou bater contra o mundo, e perdeu.

Por Gabriel Leão em 15/05/2009

Sabe aqueles garotos que param frente ao seu carro pedindo esmolas e fazem malabares com bolinhas de tênis? Eles têm uma realidade muito mais cruel do que a vista através da janela dos automóveis, semelhante ao visto em Cidade de Deus (2002) e Tropa de Elite (2007). “Querô – Uma Reportagem Maldita” de Plínio Marcos, mostra essa violência e, mesmo sendo da década de 70 a história ainda está presente, pois como dizia seu autor: “minhas peças são atuais porque o país não evoluiu”. E dado o número de menores delinqüentes nas ruas das metrópoles brasileiras a constatação do falecido autor tem razão.


Sob a direção de Marco Antonio Rodrigues, a história se passa em um ambiente de prostitutas, marginais, delatores, policiais corruptos, onde não há heróis, mas sim muitos escroques, como várias histórias reais do Brasil. Quero nasceu em um romance escrito em 1976 e foi aos palcos pela primeira vez 3 anos depois. Nesse período dominava o Brasil a ditadura e eram reais as cenas de homens fardados descendo o cassetete em garotos mal vestidos, envoltos em cobertores e drogados em pleno dia no centro da cidade. Hoje essa violência é mais contida pelo menos enquanto há a luz do sol. O texto de Plínio faz uma denuncia ao estilo de vida desses meninos e como a sociedade os aceita.


A história agora é encenada em São Paulo pelo Grupo Folias d’Arte. Como o personagem principal que dá título à peça, Regis Silva, apesar de ter passado já dos seus 20 anos, dá credibilidade ao menor violento e drogado com seu jeito ligeiro de andar em cena que lembra um rato nervoso acuado, além da fala acelerada e cheia de gírias típicas desses jovens.


Querô é um tipo levado à rebeldia pela sociedade: não conheceu o pai, a mãe era prostituta que se suicidou, estuprado no reformatório, torturado por policiais. Uma personagem que apesar da pouca idade já passou por diversas dificuldades e inúmeros tipos de humilhações. Essa biografia, atrai a atenção de um repórter, que vai ao seu encontro quando ele é baleado e está febril (uma sensação que o ator consegue transmitir muito bem). É para o jornalista que Querô conta sua história e seu apelido dado após sua mãe se suicidar tomando querosene. Os fatos relacionados ao seu passado voltam como cenas de flashbacks e mantém a narrativa não linear prendendo a atenção do público para entender a história.


O cenário e o vestuário têm uma estética chamativa que interage com o texto. “O figurino é uma concepção da direção que isso é um grande circo, um programa de TV, um show, um cabaré. Por isso os figurinos estão ligados ao show, não às putas de rua, mas às de Moulin Rouge. Temos muitas referências de circo de palhaços e bailarinas, porque é um show que realmente ocorre aqui”, explica Paula Flaiban que interpreta a cantora da casa das meninas. As personagens, apesar de apresentarem traços muito realistas, se vestem como se tivessem saído de um dos ‘inferninhos’ de Sin City, do americano Frank Miller, só que com muitas cores.


As músicas misturam composições originais de Bruno Perillo, antigo parceiro de Plínio Marcos, e o Folias adicionou marchinhas de carnaval para aumentar o clima de fanfarronice brasileira em que o crime rola solto e as autoridades fazem vista grossa. A trilha sonora também contém músicas que fogem do plano original, mas que se encaixam perfeitamente com as cenas, como a versão de Iron Man do grupo de heavy metal Black Sabbath. O espectador pode tentar descobrir quais são as outras versões distorcidas que embalam a ação.


O Grupo Folias tem mais de 10 anos de estrada e sempre apresentou em suas peças questões envolvendo conflitos sociais e políticos mostrando diversos pontos de vista, sempre sustentados por atores talentosos. Isto é o que os fazem durar tanto tempo em sua base no centro paulistano. O grupo prioriza a qualidade dos seus membros, mas sempre é possível ver algumas musas em suas encenações. A idéia de ter Querô em cartaz é uma forma de homenagear Plínio Marcos (1935 – 1999) após uma década de sua morte. O autor atormentou os censores da ditadura com seus questionamentos e sua vontade de não ficar quieto.


Esses recursos e o histórico do grupo e do autor ajudam Rodrigues e seus atores a contar a história do menino carente. A dramaturgia no original tem um perfil de denúncia gritante em plenos “anos de chumbo”, mas nessa versão relata a realidade conhecida por boa parte da população, então não é mais um grito pedindo ajuda e passa a ser apenas mais uma ocorrência da violência urbana como acontece em tantas delegacias por aí e são mostradas em programas de jornalismo policial no fim da tarde.


Querô, uma Reportagem Maldita.
Quando: qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h; até 26/4
Onde: Galpão do Folias (r. Ana Cintra, 213, Santa Cecília, São Paulo, tel. 0/ xx/11/3361-2223)
Quanto: R$ 30 (R$ 8 para moradores do bairro)
Classificação: não indicado a menores de 14 anos


Nota: Texto para a disciplina de Edição de Jornalismo Especializado ministrada pelo Prof° Lucas Pires. Universidade Presbiteriana Mackenzie curso de Comunicação Social: Habilitação em Jornalismo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário